27 de julho de 2013

Inquisições teológicas "Briga de Galos"

Quando leio determinados textos em blogs que se definem como “apologéticos”, onde adeptos de uma linha teológica se dedicam a atacar quem não concorda com eles, sempre me vem à cabeça, um texto de Rubem Alves, do qual posto um trecho abaixo:
Há teólogos que se parecem com o galo. Acham que, se não cantarem direito, o sol não nasce: como se Deus fosse afetado por suas palavras. E até estabelecem inquisições para perseguir galos de canto diferente e condenam outros a fechar o bico, sob pena de excomunhões. Claro que fazem isto por se levarem muito a sério e por pensarem que Deus muda de ideia ou muda de ser ao sabor das coisas que nós pensamos e dizemos. O que é, para mim, a manifestação máxima de loucura, delírio maníaco levado ao extremo, este de atribuir onipotência às palavras que dizemos.
Para colocar esses galos nos seus devidos lugares, Rubem Alves completa:
O sol nasce sempre, do mesmo jeito, com galo ou sem galo. Assim, o galo pode dormir à noite, sem a angústia de ter de acordar na hora certa. Se dormir demais, o sol vai se levantar do mesmo jeito. O que, sem dúvida, diminui seu senso de importância, mas tem a compensação do sono tranqüilo, o que não é de se desprezar.
Eu não suportaria pensar que o meu pensamento é tão poderoso que, caso eu pense errado, Deus vai ficar torto.
É isso. Deus não entorta nem desentorta por causa do pensamento nem da teologia, vai continuar sendo Deus. E ninguém vai parar no inferno pelo delito de, do alto da sua humanidade e limitações com ela condizentes, entender Deus apenas em parte. Apenas a religião tem necessidade de formatar o pensamento e as opiniões das pessoas , Deus não precisa disso.
Teologia é construção humana, e como tal, obviamente, é também pessoal. Pessoas diferentes, com níveis intelectuais diferentes, idades diferentes, formação diferente, origem diferente, preconceitos diferentes, experiências diferentes e etc, podem interpretar uma mesma frase a respeito de Deus, de várias formas diferentes. Deus é absoluto mas nós, humanos, somos todos relativos. A dificuldade em aceitar as relatividades do pensamento humano, como coisas absolutamente naturais, inclusive quando se trata de Deus, gera brigas vergonhosas entre os cristãos. Deus quer corações, quer pessoas sinceras que O busquem, e nem sempre a posse ou crença na mais perfeita ortodoxia, calvinista dos cinco pontos, implica em estar buscando Deus em espírito, verdade, de todo o coração, alma, entendimento.
Querer fazer com que todos pensem igual, concordem com você em tudo, dancem do mesmo jeito, toquem a mesma música no mesmo tom, também é uma forma de escravidão, um tipo de neurose. O zelo pela “sã doutrina”, muitas vezes não passa de necessidade de ter controle sobre as pessoas, ou medo de perder o controle que já exerce sobre elas, e isso em alguns casos, atinge níveis de doença, de patologia. Necessidade de uniformizar o que devia ser estritamente pessoal, porque assim, é mais fácil de manter as estruturas e instituições. Qualquer sistema político ou militar ou seja lá de qual ideologia for, sabe disso, inclusive os sistemas religiosos. Manter um discurso igual, é essencial para a coesão de qualquer grupo ideológico. Mas, ironicamente, o acesso de todos à bíblia, que os reformadores garantiram aos cristãos, fez com que essa “coisa” que chamamos cristianismo, cada vez fosse se pulverizando mais, porque não existe leitura livre da bíblia, sem a correspondente livre interpretação. E livre interpretação, tanto para o bem quanto para o mal. Tanto para distribuir o perdão e amor de Deus às pessoas, e incentivá-las ao amor ao próximo, quanto para tirar dinheiro delas de forma inescrupulosa e ensiná-las a barganhar com Deus. Tanto para falar de um Reino que é justiça e paz e que se constrói pelo amor e não pela força ou poder, quanto para legitimar guerra, imperialismo, pena de morte e escravidão.
A única consciência que você deve controlar, é a sua própria, a dos outros, você pode no máximo, influenciar. O que passar disso, qualquer tentativa de exercer controle sobre a consciência ou o pensamento alheios, já é violação da liberdade do outro, liberdade de pensar como quiser, e escolher entre encher pregadores da prosperidade de dinheiro, ou imitar Jesus. Escolher entre um Deus que é Pai, ou escolher um Deus carrasco. Escolher se relacionar com Deus porque Ele amou você primeiro, ou por coação, medo do inferno ou simplesmente esperando receber algum benefício material em troca, ou a herança do Pai rico, que na verdade você não ama e só quer a prosperidade que prometeu te dar… vai de cada um.
Eu, da minha parte, durmo tranquila como o galo do Rubem Alves, porque se essa noite o meu cérebro torto sonhar que Deus não é Deus, mas sim o Monstro Espaguete Voador com almôndegas, Deus não vai amanhecer embebido em molho bolonhesa, e exigindo sacrifícios em forma de queijo parmesão ralado.




Nada de Novo sobre o Sol

O deus imaginário e o Deus de Jesus

Uma coisa deve ser dita: Fica proibido confundir Deus com sua representação. Dito isto podemos analisar as fontes do deus-imaginário.
Chamo de deus-imaginário o produto subseqüente da consciência infantil que pensa de certo modo que tudo é ela e ela é tudo. E essa aspiração à totalidade permanece como uma estrutura básica do ser humano, e o desejo religioso de um Todo Transcendente não escapa a esse movimento.
Os primeiros símbolos para a criança desse desejo são os pais, e o deus-imaginário adquire forma e configuração a partir deles. É no pai, segundo as análises freudianas que a criança projeta a onipotência, aquela que no princípio estava atribuída a ela mesma. O pai aparece, então, como a própria realização da onisciência, da onipotência e da onibenevolência. Porém com essa imagem perdida, o deus-imaginário, por meio da figura perdida do pai, toma nome, forma e figura.
O Deus de Jesus ao contrário do deus-imaginário nos convida para o enfrentamento da realidade. Ele não é um aliado dos nossos próprios desejos e interesses, e nem escamoteia as dificuldades e complexidades da vida humana. O Deus que se manifesta em Jesus não é certamente o que desejamos.
O deus-imaginário é um deus mágico que serve para levar o indivíduo a superar de maneira mágica a dureza da vida. É um deus explica - tudo possuindo uma resposta para cada problema ou incógnita da existência. É um deus das ameaças e castigos, principalmente na área da sexualidade. É um deus que enfim nega toda experiência real de dor e entre elas a própria morte.
O Deus de Jesus é aquele que nos remete de volta à realidade com toda a dureza que esta possui, e não nos solucionam os problemas, mas nos dinamiza para que trabalhemos na tentativa da solução. Ele não está para explicar o sofrimento, mas para nos conduzir a fé, reduzindo todo tipo de ambivalência. Ele nos faz perceber que a vida humana é uma maravilha mesmo quando surpreendida pela dor, pela pergunta sem resposta e pela própria morte.
O deus-imaginário é visto como onipotente, mas o Deus de Jesus é nos apresentado como um Ser enfraquecido pelo amor, podendo ser rejeitado. Esse Deus não cabia na mente do judeu que esperava sinais e nem de gregos que esperavam saberes absolutos, um Deus revelado no crucificado era escândalo e loucura.
O Deus de Jesus nada faz para ser amado ou adorado, temido ou reverenciado. Sua ação em favor dos homens não é uma expressão de seu poder, mas de seu amor gratuito. Sim! O Deus de Jesus é um Deus de amor, que não anula as diferenças e nem nos retira dos conflitos da realidade, antes é um amor que pelo exemplo nos estimula a decisão pela fraqueza. Amor que se põe do lado do fraco, oprimido e marginalizado, se opondo a todo sistema de opressão, ódio e marginalização.
O Deus de Jesus não é um poder absoluto que se impõe sobre os homens, mas primordialmente um Ser relacional que uma vez crido e experimentado pelos homens nos conduzirá ao fim do mundo que é o começo do Reino.
Ivo Fernandes